sábado, 22 de novembro de 2008

Vivendo e tentando aprender

Por Laís Monteiro, Emily, Tatiana, Rachel




Ao chegar à escola Lions I, no bairro de Santa Rosa, em Guarus, precisei de alguns minutos em pé, ainda no portão, para acostumar meus olhos ao que eles viam. Era um mar de crianças, e elas se mexiam como ondas em direção à praia, cada uma com seu tamanho e intensidade. Misturavam-se num turbilhão de gritos e empurrões de brincadeira. Um menino logo me chamou atenção, apesar de pequeno e mirrado, era o mais agitado do grupo, implicando com todos e rindo bastante.


O sino tocou e foram necessários vários minutos para que todas as crianças voltassem às suas salas de aula. Dirigi-me à secretaria, que ficava logo na entrada, ao lado do portão onde eu me via parada desde a minha chegada na escola, pra saber mais informações sobre e escola e os alunos. Era uma sala pequena na qual se encontravam três mesas abarrotadas de papéis, pertencendo à Mariza Gonçalves de Souza - diretora; Neila Cruz e Rosa Maria de Souza – vice-diretoras (que dividem a mesma mesa) e Christiane Alves – secretária, com quem eu conversei e, de maneira muito simpática, me mostrou a escola e contou algumas histórias interessantes. Quando perguntei sobre o menino agitado do pátio, descobri que se chamava Thiago e que por trás dessa animação, o garoto escondia sérios problemas.



Problemas com a saúde




Thiago da Conceição Machado Mateus, um garoto de 15 anos que sofre de epilepsia. Nascido em 03 de outubro de 1993, e cursando ainda o quinto ano do ensino fundamental (antiga 4ª série), Thiago já causou grandes tumultos na escola.

Segundo a secretária Christiane, a pouco mais de um mês, o menino assistia a uma aula de matemática quando a professora percebeu que ele não passava bem, estava pálido e parecia em estado de transe. A professora rapidamente abandonou a classe e o carregou até a secretaria, a fim de ligar para sua casa e pedir que fossem buscá-lo na escola. A menos de meio metro da secretaria o menino caiu no chão feito macarrão mole e começou a ter convulsões. A professora, em pânico, começou a gritar por socorro, e logo professores e alunos estavam em torno do doente para ver o que estava acontecendo.


A secretária me relatou com detalhes o seu desespero, e com medo de que o pior acontecesse com o menino, ali mesmo, no pátio da escola e com todos em volta, pegou o guarda da escola pelo braço e o puxou abrindo caminho entre os curiosos. Mandou o guarda pegar o menino e entrar com ele no seu Fiat Uno verde que estava estacionado em frente à escola. Poucos minutos depois eles estavam atravessando a pesada porta de vidro do Hospital Geral de Guarus (HGG). Sem saber como conseguiu dirigir até o hospital ante seu nervosismo, a secretária, após ter cumprido uma missão que não era sua, finalmente conseguiu se acalmar quando a enfermeira disse que estava tudo bem com o Thiago, mas orientou-a a não ter essa atitude novamente, por que se alguma coisa acontecesse ao garoto dentro do seu carro, ela estaria encrencada. O certo era chamar o socorro e esperar. Será que você teria feito isso?

A escola desconhecia do problema de saúde do menino Thiago, e também desconhece os de muitos outros alunos. Os professores e funcionários não estão aptos a lidar com situações como essa, um curso básico de primeiros socorros obrigatório poderia ajudar em algumas situações. Além disso, todos os professores estão constantemente expostos às doenças das crianças, como catapora, hepatite ou sarampo. Apesar disso, não recebem o auxílio insalubridade (20% do salário para ajudar com a saúde que é concedido somente aos serventes das escolas).





A dificuldade dos deficientes para estudar


Saímos da secretaria e seguimos por um pequeno corredor que dava em outro pátio. Este era cercado por salas de aula. As paredes eram pintadas até a metade de azul, e a parte de cima de amarelo clarinho. As portas, que haviam sido brancas um dia, descascavam e deixavam aparecer a madeira em alguns pontos. Passei os olhos nas plaquinhas colocadas acima das portas, e achei, ao lado da que indicava a cozinha, a sala do sexto ano. De longe se ouvia os gritos dos alunos e da professora tentando inutilmente controlar os ânimos da turma. Pedi licença para acompanhar a aula e sentei bem no fundo da sala, num canto onde poucos me viam, mas eu podia ver a todos com detalhes. Na fila do meio, primeira cadeira, estava uma menina com uns óculos que mais pareciam o fundo de uma garrafa, de tão grossos. Ela era mulata, mas possuía olhos claros, cor de mel e os cabelos cacheados e cheios eram presos no alto da cabeça numa tentativa de rabo de cavalo.

A professora de português fazia um ditado e todos copiavam, mas quando foi passado um exercício no quadro a pequena Jenifer, de 10 anos, parou de copiar. Terminada a aula fui perguntar à professora o porquê do ocorrido, e ela me explicou que a menina tem baixa visão, ou seja, não conseguia enxergar o que estava escrito no quadro. Ela me informou que suas provas não eram como as de outros alunos, elas eram feitas com caneta hidrocor e escrita em letras grandes, mas nem sempre era possível fazer a mesma coisa durante todas as aulas, por falta de tempo de preparar as atividades diferenciadas e também por falta de capacitação, pois nem todos os professores sabem como deve ser feito o ensino com crianças de baixa visão.

Só na escola municipal Lions I são seis os alunos com algum tipo de deficiência que precisam de um tratamento diferenciado. Em Campos, esses alunos encontram grande dificuldade para conseguir estudar, pois as escolas não possuem estrutura suficiente para recebê-los, nem fisicamente nem na capacitação de seus professores. Na cidade existem apenas três escolas públicas especializadas, a APOE e a APAE (localizada em Guarus) que lidam com crianças com qualquer tipo de deficiência e o São José Operário, especializado no ensino para deficientes visuais. Todas possuem um convênio com a prefeitura, mas o repasse das verbas é feito com grande dificuldade, e constantemente é atrasado. A falta de recursos e de apoio da prefeitura faz com essas escolas trabalhem no limite e às vezes se vêm obrigadas a recusar alunos por falta de recursos. Segundo a diretoria do São José Operário, a prefeitura quer, no ano que vem, cancelar o contrato com o Instituto.




Violência nas escolas




Já estamos no mês de novembro, e ao voltar à sala da secretaria vi que uma fila se formava na porta. Pedi licença e entrei no local para perguntar à diretora o motivo daquela fila. Ela me explicou que era período de pré-matrícula, para alunos que tentam ingressar na rede pública, e re-matrícula para os que já estudam.

Ana Maria Felizardo da Conceição, mãe do Thiago, o aluno que sofre de epilepsia, entrou na secretaria para fazer a re-matrícula de seu filho, porém o menino de 15 anos, não poderia mais estar cursando o quinto ano, deveria estudar à noite para fazer supletivo. Ao ser informada disso, Ana Maria se revoltou, começou a gritar dentro da secretaria dizendo que o filho dela deveria estudar de manhã, como sempre estudou. Calmamente, a secretária Christiane explicou-lhe a situação novamente, mas a mãe do menino ficava cada vez mais descontrolada, gritando dentro da secretaria e agredindo-a verbalmente. “Eu vou dá na sua cara! Cê é muito mitida, acha que sabe de tudo! Meu filho vai estudá é de manhã!!”

Os outros funcionários da secretaria tiveram que intervir para acalmar a mulher e tirá-la de dentro da sala. Em todo o Brasil é grande o número de profissionais da educação que estão de licença médica e muitos necessitam de trabalho psicológico devido a agressões e ataques sofridos por alunos e pais de alunos. Em Campos não é diferente, aproximadamente 30% do quadro de professores encontra-se afastado das escolas. Só na Escola Municipal Lions I, são cinco afastados.



Regime de Progressão Continuada




Para terminar o tour pela escola, a secretária me guiou por uma escada escura, com as paredes descascando, que levava às salas de aula dos últimos anos do ensino fundamental. As portas e as paredes descascadas tinham o mesmo aspecto envelhecido do pátio anterior. Seguimos por um pequeno corredor sem janelas e ao final dobramos à esquerda e entramos em uma sala onde um grupo de meninos jogava baralho em uma rodinha no chão. Era hora do intervalo e não havia professor. Ao lado deles se viam os pratos vazios e alguns ainda terminavam de comer suas maçãs.

Fui apresentada a Antônio, o maior menino do grupo, que com 16 anos cursava o oitavo ano do ensino fundamental (antiga sétima série). Antônio é um menino negro, de pele brilhante e braços finos. Sua voz alta e as espinhas que já lhe surgiam no rosto faziam-no se destacar dos demais meninos de sua turma. O garoto possuía uma grande dificuldade de ler e escrever. Perdera de ano duas vezes: no terceiro ano (antiga 2ª série) e no quinto ano, e nos outros anos sempre passava com notas baixas, carregando matéria para o próximo ano.

Em 2006 foi implantado na escola o regime de Progressão Continuada. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em sua Seção III, Art. 32, Inciso IV - “Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino.”, mas não é o que de fato ocorre. O programa que fez reduzir drasticamente o índice de repetência nas escolas de todo o país, precisa ainda ser melhorado em nossa cidade. Assim como Antônio, é grade o número de crianças nas séries finais do Ensino Fundamental com grande dificuldade para ler e escrever.

Mas por que isso ocorre? Será que os professores da rede pública estão mal preparados? É a falta de interesse por conta dos alunos que faz com que esse problema se agrave de tal modo? Ou seria a falta de participação dos pais e a integração com as escolas que faz com que seus filhos fiquem em dívida com a educação?

Com o que presenciei nas escolas visitadas no período de apuração de dados, arrisco dizer que é uma junção de todos esses problemas que faz com que nossa educação esteja, hoje, nesse estado de precariedade. Segundo a diretora Ana Cristina, da escola Sílvio Bastos Tavares, todo final de semestre são realizadas reuniões com os pais dos alunos, mas nem 40% deles comparecem.

É necessário que ocorra a conscientização e a participação de todos para que possamos dar uma virada nesse quadro.